terça-feira, 9 de dezembro de 2008

O que é metodologia científica?

Resenha elaborada por: Rita C. Freire

CARVALHO, Alex et al. Aprendendo Metodologia Científica. São Paulo: O Nome da Rosa, 2000, pp. 11-69.

TENDÊNCIAS METODOLÓGICAS NO SÉCULO XX

As tensões e conflitos relacionados ao desenvolvimento e expansão do modo de produção capitalista, verificados já no final do século XIX, ampliam-se e ganham novos contornos no início do século seguinte: as duas Guerras Mundiais e as experiências políticas totalitárias delas decorrentes – o fascismo e o nazismo; a Revolução Socialista na Rússia; a quebra da Bolsa de Nova York. Esses acontecimentos podem ser tomados como índices da falência ética e política das sociedades ocidentais. Surge uma nova onda de ceticismo e irracionalismo, assim como um descrédito com relação à possibilidade de convivência pacífica entre os homens e de superação das particularidade (diferenças individuais, grupais, étnicas, nacionais, etc.).
Nesse contexto, surgem propostas para a produção do conhecimento científico ainda atreladas ao ideal de objetividade: trata-se justamente de salvar a civilização ocidental do caos pelo resgate da razão. Nesse sentido, o projeto iluminista vai reaparecer em tendências metodológicas, tais como o empirismo lógico e a fenomenologia, no século XX. Ao mesmo tempo, sugem outras tendências metodológicas que discutem, entre outras coisas, a neutralidade da ciência, isto é, se é possível a independência do sujeito com relação ao objeto do conhecimento. Se o conhecimento não é neutro, então a questão da produção do conhecimento científico não é só cognitiva mas também ética e política.

A continuidade do projeto epistemológico da modernidade: novas tendências

Três tendências metodológicas buscam manter e aprofundar os fundamentos teóricos estabelecidos já quando do nascimento da ciência moderna.

Neopositivismo

Os principais representantes do neopositivismo, também chamado de empirismo lógico, reuniram-se no grupo conhecido como Círculo de Viena e tem um objetivo em comum: a luta contra o pensamento metafísico, não só na ciência como em todas as esferas do comportamento humano. A concepção de ciência implica uma produção de conhecimento atrelada a uma transformação racional da ordem social. Para os neopositivistas, a linguagem da ciência é capaz de exprimir universalmente o que a experiência nos oferece, pois o conhecimento produzido pela razão pura, independente da experiência empírica, não é legítimo.

Fenomenologia

A fenomenologia se opõe à separação entre o sujeito produtor de conhecimento e o objeto. Afirma que o conhecimento é resultado da interação entre o que o sujeito observa e o sentido que ele fornece à coisa percebida: toda consciência é intencional.
A fenomenologia não admite que existam fatos que por si só garantem a objetividade da ciência. Os fatos se constituem a partir dos sentidos conferidos a eles pela consciência e se referem, de fato, à realidade dos objetos, o que eles são. No entanto, alcançar essas essências requer um método (fenomenológico). O processo de transformação de objetos individuais contingentes em fenômeno é fruto de um esforço de redução, quer dizer, reduzimos nossa experiência de um objeto e, ao assim fazermos, alcançamos o que é permanente naquele objeto, em sua natureza última. Por esse motivo, a fenomenologia ainda é considerada como parte do projeto moderno de fundamentação da ciência, apesar de seu esforço de superação da separação entre sujeito e objeto.

Estruturalismo

Por volta da metade do século XX, surge outra tendência metodológica, relacionada sobretudo às ciências humanas: o estruturalismo. De uma maneira geral, o método estruturalista pretende alcançar leis universais que expliquem o modo de funcionamento dos fenômenos humanos. São as estruturas que, de forma inconsciente, controlam o comportamento humano. O ideal de cientificidade para as ciências humanas é alcançado, uma vez que, ao desvendar as estruturas, esta-se enunciando leis gerais sobre o modo de funcionamento das sociedades humanas.

Rupturas com o projeto epistemológico da modernidade

No século XX assistimos também ao surgimento de tendências que marcam uma ruptura com o projeto moderno de fundamentação da ciência. É bem verdade que críticas a este projeto nunca deixaram de existir. No entanto, a valorização da permanência ou da regularidade dos fenômenos, assim como a separação entre sujeito e objeto, foram dois dos aspectos que predominaram, chegando a influenciar tendências elaboradas no século XX.
A superação do projeto moderno de ciência, no que se refere à permanência e regularidade dos fenômenos e à separação entre sujeito e objeto, ganha força não só pela reflexão sobre um novo estatuto epistemológico da ciência, com também por causa dos avanços das descobertas científicas que permeiam as várias áreas das ciências que vão sendo desbravadas na passagem dos séculos XIX para o XX.

Rupturas com o projeto epistemológico da modernidade

O debate em torno do desenvolvimento da ciência ganha novos contornos ao se concentrar no seu aspecto interno, não levando muito em conta as influências externas a esse desenvolvimento, como os movimentos sociais, culturais, políticos e econômicos.

Pragmatismo

O pragmatismo é outra tendência metodológica surgida ao longo do século XX. É uma concepção que não compartilha o pressuposto de que as verdades científicas correspondem a uma realidade independente do sujeito. As contingências histórico-culturais determinam as descrições da realidade que são feitas pelos cientistas. Este é o critério de verdade pragmatista: que a descrição feita permita retirar da realidade conseqüências práticas.
Uma vez que o conhecimento científico é uma atividade humana, essa dimensão – a humana – torna-se o critério básico com o qual o pragmatismo analisa o alcance das formulações do conhecimento científico.

Construcionismo

Surgida também no século XX, a tendência construcionista se apresenta com o papel estruturados operado pela linguagem, considerando que tanto o sujeito como o objeto do conhecimento são construções sociais e históricas. Ou seja, a maneira pela qual o sujeito percebe a realidade é datada, posto que determinada por suas condições sociais e históricas de existência. Da mesma forma o é o objeto que ele, sujeito, se propõe a pesquisar.
Nesta perspectiva, na medida em que tanto sujeito como objeto do conhecimento se constituem como crenças ou convenções sociais, resta, como parte do processo de pesquisa, o caminho da desconstrução, da discussão e do combate destas mesmas crenças, sobretudo quando elas se apresentam como forma de dominação.
A implicação ética dessa tendência é a de que as verdades existem como convenções que podem e devem ser discutidas em função do próprio homem, ou melhor, de suas relações sociais e históricas.
O construcionismo, ao estabelecer que tanto o sujeito como o objeto são construções sociais que devem estar o tempo todo se desconstruindo, leva a perspectiva interacionista de análise de produção do conhecimento até as últimas conseqüências.

RETOMANDO O ROTEIRO DE VIAGEM...

A viagem esteve dirigida por duas questões. A primeira analisou os diferentes modos como a relação sujeito-objeto é considerada nas diversas perspectivas metodológicas ou epistemológicas. A segunda tratou da forma como a realidade foi, por essas diversas tendências, concebida.
O papel do sujeito na produção do conhecimento se modifica de tal forma que de purificado e neutro – uma vez que só assim seria capaz de refletir a natureza – passa a ser concebido como historicamente determinado. O universalismo (a pretensão da descoberta de leis gerais e eternas), apoiado por uma base metafísica (que garantiria as verdades da ciência), vai cedendo lugar ao caráter parcial, contingente e precários do produtor da ciência: o sujeito humano. No século XX, os avanços e recuos da tendência histórica com relação ao modelo da tendência histórica com relação ao modelo universalista são visíveis.
A ciência é parte do mundo moderno e é determinada pelas condições históricas das quais faz parte. Não por acaso o produtor do conhecimento é tomado como um sujeito racional e livre, capaz de, por si só, elaborar pressupostos para a ciência, inclusive os metafísicos. Tal sujeito, com a sua pretensão de autonomia, é uma das maiores invenções da modernidade, contexto no qual surge a ciência. Por sua vez, o conhecimento científico e seus produtos determinam mudanças na vida social de forma tal que, atrelados a determinações socioeconômicas, passam a constituir novas formas de vida e de relações entre os homens.
A crítica ao universalismo também implicou o aprendizado de outra perspectiva de realidade: o da sua transformação. Se, por um lado, a onipotência do homem (que tudo quer conhecer) ficou abalada, por outro, suas possibilidades de aprendizado do mundo se ampliaram na medida em que o mistério e a novidade estão sempre a bater na sua porta. Em síntese: a realidade não se submete aos esquemas conceituais que o homem inventa para compreendê-la. O que significa que a aventura de produção da ciência continua. A cada decisão de caráter metodológico que o pesquisador tomar, questões de epistemologia emergirão e, se for necessário, uma volta à discussão será útil.

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