terça-feira, 9 de dezembro de 2008

O QUE É METODOLOGIA CIENTÍFICA?

Resenha elaborada por: Rita C. Freire

CARVALHO, Alex et al. Aprendendo Metodologia Científica. São Paulo: O Nome da Rosa, 2000, pp. 11-69.

UM ROTEIRO DE VIAGEM...

A ciência moderna centra a discussão em dois aspectos do conhecimento. O primeiro é a do papel do sujeito na produção do conhecimento. O segundo diz respeito à forma como a natureza e/ou a sociedade é pressuposta pelas diversas tendências.
Como acreditamos no caráter histórico da ciência, decidimos percorrer as principais tendências metodológicas, apontando algumas possibilidades e impasses que fazem ainda hoje parte do conhecimento científico. Entender e discutir as diferentes bases da ciência é condição para compreender suas reais possibilidades e limites.

O SURGIMENTO HISTÓRICO DA MODERNIDADE E A CONSTITUIÇÃO DOS PRIMEIROS FUNDAMENTOS PARA O CONHECIMENTO CIENTÍFICO

O Renascimento, antes do século XVII, já propunha a valorização da capacidade humana de conhecer e transformar a realidade. O homem se coloca como capaz de, por si só, descobrir o modo de funcionamento da natureza, submetendo-se à ela como primeiro passo no projeto moderno de produção do conhecimento.
O segundo passo, refere-se ao domínio e controle da natureza em benefício do próprio homem. O homem se coloca como dono do mundo e recoloca a busca da verdade no plano do fundamento seguro, dado pelo capacidade humana de conhecer-se a si mesma, de forma autônoma.
A constituição da ciência moderna, que ocorre no âmbito da aventura das descobertas marítimas, reflete e atiça a curiosidade pelos fatos. Navegar é preciso. É preciso navegar, mas com método, com ordem e medida, sabendo quais passos dar para atingir um determinado fim. Não se deve deixar levar por nenhuma influência de cunho pessoal, passional ou cultural.
O problema central da ciência moderna é a questão do método. Sem ordem não há conhecimento possível. O problema dos modernos vai ser o de do ponto de vista epistemológico, fornecer as bases seguras do conhecimento, desprovendo-o de erros, erros estes advindos da falta de método, da ordem e medida necessários ao correto proceder da razão.
A luta é, pois, contra o erro, (...) contra a imaginação que destrói a diferença entre o real e o onírico, contra a linguagem que carrega de preconceitos o real, e, portanto, não é capaz de descrever a realidade tal como ela é.
Mais: chegar à verdade significa captar uma ordem eterna e imutável que subjaz aos fenômenos. Tal ordem implica a existência de relações necessárias entre determinados eventos da natureza. A busca dos fundamentos seguros do conhecimento está comprometida com a suposição de que existe uma unidade ou permanência na natureza, com a valorização da repetição dos fenômenos. Isto decorre de que um dos principais objetivos da ciência moderna é justamente o da previsão da ocorrência futura dos fenômenos, previsão esta subjacente à elaboração das leis científicas.
De todo modo, a questão que vai permear a análise do processo de constituição do conhecimento científico é: será possível um conhecimento tão destituído de humanidade?

O racionalismo de Descartes

De maneira geral, no século XVII duas respostas à questão dos fundamentos do conhecimento científico são elaboradas: o racionalismo e o empirismo. Descartes parte do princípio de que ter conhecimento é ter idéias e de que as idéias são diferentes das coisas tomadas em si mesmas. Ele faz o seguinte raciocínio: devo duvidar de tudo, posto que a linguagem, a imaginação, meus órgãos dos sentidos e assim por diante me iludem. Mas, ao recorrer à dúvida como método (duvido de tudo sistematicamente), chego, de forma dedutiva, a uma certeza: não posso duvidar do fato de que estou pensando. Penso, logo existo. Fecha-se, assim, o circuito da dúvida metódica: existe uma correspondência entre a matéria e a idéia.
Para Descartes, também de forma dedutiva, Deus é a medida da garantia do conhecimento, da capacidade de pensar clara e distintamente. Deus nos capacita a ter idéias corretas, que são, inclusive, inatas, desprovidas de erros, desde que metodicamente produzidas, isto é, elaboradas segundo critérios claros e distintos.
Assim, o conhecimento é obra da razão, é ela que garante a correção das descobertas e a relação real entre idéias e extensão (matéria). Nessa perspectiva, o sujeito produtor de conhecimento se apresenta como um eu que valoriza a si mesmo, por dedução. Nesse processo, esse eu se requer purificado das influências históricas, pessoais, culturais, enfim, humanas, de forma a alcançar a verdade imutável das coisas. O processo da dúvida metódica, em Descartes, resultou numa garantia para a produção de verdades no campo da ciência. Esta garantia é de natureza metafísica, uma vez que a certeza do conhecimento verdadeiro passa pelo pressuposto da ação divina no intelecto humano.

O empirismo

Já o empirismo, formulado inicialmente por Bacon, parte do pressuposto de que “conhecer” também é tomado como “ter idéias”, mas a via privilegiada da sua produção não é a razão: trata-se da experiência sensorial, isto é, a de que se tem como os órgãos dos sentidos. É pela indução, isto é, pela observação dos muitos eventos se repetindo da mesma maneira, que se pode, finalmente, elaborar leis que descrevem o funcionamento da natureza.
Os empiristas fundamentam cada vez mais nas condições psicológicas do sujeito produtor de conhecimento a possibilidade de elaboração de leis gerais. Ora, se as facetas pessoais, culturais, ou mesmo biológicas do indivíduo estão no cerne do processo de produção do conhecimento, como alcançar a verdade das coisas, objetivo maior da ciência para os racionalistas? Por este motivo, boa parte dos empiristas separa sujeito e objeto.

A física newtoniana

A figura de I. Newton, surgida entre os séculos XVII e XVIII, vai permitir que o projeto de ciência moderna se estabeleça definitivamente. Ele combinou de maneira apropriada as duas tendências até então antagônicas: empirismo e racionalismo. Afirmava que tanto os experimentos sem interpretação sistemática (empirismo) como a dedução sem a evidência experimental (racionalismo) não levam a uma teoria confiável. Tudo que não é deduzido dos fenômenos constitui mera hipótese, e esta não tinha lugar porque as proposições particulares são inferidas dos fenômenos e depois tornadas gerais por indução.
Para Newton era suficiente explicar os fenômenos, sem necessariamente chegar às suas causas. A natureza era, assim, entendida como uma máquina que funciona perfeitamente, não tendo ele dificuldades em aceitar e postular a existência de um Deus que cria um mundo de acordo com a mecânica que os cientistas vão desvendando.

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